domingo, 3 de junho de 2007

Katia Guerreiro

Foi em 2001, tinha apenas 25 anos... desde lá muita coisa mudou! =)

Katia Guerreiro é médica, mas nas lides do fado não quer que a tratem por doutora. Nesse domínio, ainda lhe faltam alguns anos para atingir a licenciatura (fez-se fadista há menos de dois anos), e, no entanto, surge já com uma segurança admirável na voz e na postura. “Fado Maior” é o seu primeiro álbum, e ela apresenta-o com a modéstia das estreantes mas também com o empenho de quem coloca o máximo de seriedade naquilo que faz.

Já começaram as comparações com a Amália?

Já, já me bombardearam com as perguntas a propósito da Amália. Hei-de defendê-la sempre com unhas e dentes, porque a Amália foi sempre a minha maior referência musical. O que me interessa na música é a expressão, é aquilo que ela consegue transmitir, e nunca ninguém conseguiu transmitir tanto quanto a Amália. Mas se me tentam comparar devo dizer que estou perfeitamente em desacordo, porque a Amália é inimitável, incomparável e insubstituível. Compreendo que se tentem compensar os valores que se perdem, mas nunca ninguém conseguirá ocupar o seu lugar.



Mas ainda não chegou àquela fase em que as comparações já aborrecem?

Não se trata de as comparações me aborrecerem ou não. Incomoda-me no sentido em que qualquer comparação com a Amália é sempre injusta. Ficamos sempre a perder, não é? Nunca ninguém há-de chegar aos seus calcanhares. Jamais tentarei imitá-la ou procurarei imitá-la ou procurarei copiar os seus jeitos de cantar, na voz ou na postura. Eu entro num palco e sou eu. Não preciso de criar uma personagem.

Nasceu na África do Sul, não foi?

Sim, e chamo-me mesmo Katia, com “k” e sem acento no “a”. A minha família é de Angola, onde fui feita. Com a independência, passaram para a África do Sul, já a minha mãe estava grávida e acabei por nascer lá. Quando tinha 11 meses, fomos para os Açores, onde fiquei até ir estudar medicina para Lisboa. Agora estou em Évora.

Como é que alguém que passou por um rancho folclórico, esteve numa tuna académica e canta ainda num grupo de música dos anos 60 (os Charruas) vai acabar no fado?

Não sei muito bem como aconteceu, só sei que aconteceu gradualmente. Andei pela música tradicional e gosto muito de rock, o que é que hei-de fazer? Mas o fado sempre esteve comigo. Lá está outra vez a Amália, que era a única pessoa que me levava a ouvir fado. Mesmo quando era muito pequenita, parava de brincar ao ouvir a sua voz na rádio.

Quando é que começou a cantar fado?

Quando ainda estava nos Açores. Comecei a cantarolar nos intervalos dos ensaios do rancho folclórico, onde tocava viola da terra, um instrumento tradicional de 12 cordas. Depois, quando vim para Lisboa, tanto na tuna como nos Charruas, o fado acontecia sempre nas nossas brincadeiras. E houve um dia que a brincadeira se tornou um bocadinho mais séria, pois o Paulo Parreira (guitarrista) e o João Mário Veiga (viola de fado) ouviram-me cantar no Embuçado, que nem sequer costumava frequentar, e convidaram-me para actuar com eles. Nunca me passou pela cabeça que tal viesse a acontecer.

Isso foi há quanto tempo?

Há um ano e qualquer coisa.

Como é que chegou tão rapidamente ao disco?

À medida que nos fomos entrosando, chegámos à conclusão que trabalhávamos bem juntos e que valia a pena gravar um CD. Quando partimos para o CD tínhamos alguns temas na manga, e os restantes aconteceram à medida que ele ia sendo gravado, desde fins de Outubro até meados de Março deste ano.

Muitos fadistas consideram que o fado tem uma dimensão existencial, não se limitando a ser um simples ofício. Identifica-se com essa ideia?

Sem dúvida que o fado é um estado de alma. É preciso sentir muito o que se está a cantar, embora haja quem consiga debitar fados no tom. Para mim, cantar o fado é, de facto, transmitir o que vai cá dentro; sentir, nem que seja apenas num verso ou dois, coisas que têm a ver comigo, com a minha vida. Um poeta pode escrever para si, mas quem lê a poesia, interpreta-a em função da sua vivência, da sua maneira de estar na vida. É isso que eu faço no fado. Transmito aquilo que sinto, pego em tudo o que tenho e deito cá para fora. Por isso chego exausta ao final dos espectáculos.

E sente-se inserida neste movimento de renovação do fado?

Não... É claro que sou nova, que tenho uma voz nova e que, até há bem pouco tempo, a maior parte dos nossos fadistas eram todos da velha guarda. Mas tirei um curso de medicina, trabalho... o fado é, sobretudo, o meu tubo de escape. Há pessoas que vão jogar ténis, há pessoas que vão ao ginásio, há pessoas que coleccionam selos ou moedas, eu canto fado. No entanto, isso é feito da forma mais profissional possível, não lhe posso chamar “hobby”, porque é sério demais, embora não seja profissional do fado e não viva do fado.

Mas gostava de viver?

Não, não gostava. Pode parecer arrogante, mas, antes do fado, tenho de respeitar a carreira médica, que exige muito de mim. Dou-me ao luxo de estar no fado com rigor e profissionalismo, mas também com restrições.

Ia perguntar se o fado iria ser a sua vida, mas estou a ver que não.

Não posso jurar a pés juntos que daqui a uns anos não abandone a medicina para me dedicar apenas ao fado, mas neste momento não penso dessa forma . O que posso dizer com toda a certeza é que adoro medicina e estudei muito para tirar o curso. Se queimei as minhas pestanas com muito prazer, não é agora que vou deitar fora o privilégio de ser médica. Posso cantar quando e onde quiser, nem que seja na casa de banho, e neste momento tenho um disco, onde me posso ouvir daqui a 20 anos. Mas ser médica implica um estudo e uma actualização permanentes. Tem de se praticar todos os dias.

Está no internato geral. Que especialidade quer seguir?

Pediatria. Mas ainda não estou totalmente decidida.



Diário de Notícias, DN mais, 14 de Julho de 2001

Recomenda-se : http://www.arlindo-correia.com/041104.html


Um comentário:

Sofia disse...

aweee !! boa boa Teresinha =))